Aarhus foi criado somente por seu pai, n'O Canyon de Enocia. Sua mãe, Kiara, o abandonou cinco dias após o seu nascimento – os motivos ainda são desconhecidos. O garoto viveu de seu nascimento até os vinte anos de idade com o pai dele, Aaron, e depois, quando a morte bateu à porta de sua casa – para buscar Aaron – Aarhus decidiu ir viver na cidade.

Foi uma criança mimada, um jovem solitário e um adulto amargo. Aarhus, indo contra todas as expectativas, não se revoltou por ter sido abandonado pela mãe, tão pouco culpou o universo e tudo mais quando o seu pai morreu. Nada disso. Sempre trabalhou dignamente e fez o que pôde para ajudar aos necessitados – uma vez que ele era portador de grandes posses.

No entanto, ao mudar para a cidade, o rapaz começou a fazer escolhas erradas e os caminhos que ele começou a trilhar foram diferentes dos que havia conhecido ao decorrer de sua vida.

Aarhus começou a frequentar boates e a se relacionar com pessoas de má índole. Mesmo sem necessidade passou a furtar locais e pessoas; ele se envolveu com drogas, bebidas alcóolicas e até mesmo com prostitutas. Então, em um belo dia quando ele estava totalmente chapado e bêbado, abdicou-se de todos os seus bens materiais – permanecendo apenas com a dobra de fogo que herdara de seus pais.

O garoto passou um ano de miséria, vivendo na rua e se alimentando de restos de comidas que encontrava no lixo. Aarhus deixou o cabelo e a barba crescerem, perdeu peso e foi se tornando cada vez mais solitário e amargo. Lembrou-se de todas as companhias que tinha quando era bem financeiramente, percebendo que as mesmas pessoas daquele tempo passavam por ele na rua e fingiam que não o conhecia. Aprendeu de uma forma miseravelmente dura que a pessoa muitas vezes vale apenas o que tem.

Depois de dois anos na rua – já acostumado a passar fome, a dormir mal e a fugir de guardas – Aarhus livrou-se do vício das drogas por falta de dinheiro, mas não foi tão fácil: as crises de abstinência pareciam eternas e eram agoniantes. Já não eram mais um dependente químico e nem um alcóolatra e, talvez como for de recompensa do universo, a sorte do rapaz mudou.

Certo dia, enquanto mendigava na porta de um enorme prédio no centro da cidade, Aarhus tropeçou em uma mulher com o dobro de sua idade. Quando os olhos dos dois se cruzaram, ele a reconheceu. Não que a houvesse conhecido antes, apenas por foto, mas ele sabia que aquela mulher era sua mãe. E a sensação foi mútua, porque a mulher arregalou os olhos e abriu os olhos.

– Olá, Kiara, feliz em me ver? – Aarhus passou tanto tempo sem falar que quase havia esquecido que não era mudo, então sua voz saiu mais grossa do que o esperado.

A mulher nada disse, apenas abraçou o filho e se pôs a chorar. Ela o levou para dentro do prédio – imóvel dela – e os dois conversaram sobre os últimos vinte e dois anos.  Aarhus contou toda a sua história de vida e Kiara contou a dela, ainda omitindo o motivo de ter abandonado a família. Duas semanas depois que se encontraram, Aarhus completou vinte e três anos de idade e os dois passaram a morar juntos.

Não foi fácil. Aarhus estava acostumado a ser sozinho e quase não falar. Kiara, por outro lado, sempre estava acompanhada por alguém e falava muito. O rapaz precisou reaprender a ser sociável para os momentos que fosse realmente necessário – ainda mantendo-se distante das pessoas, sem criar laços – e, aos poucos, sua vida foi voltando ao normal. Cavalheiro, bondoso – embora não bobo, sempre sabendo quando devia se impor, solitário, às vezes amargo, calmo, às vezes brincalhão e apaixonado em aventuras. Deixou as drogas químicas de lado, mas quase ficou viciado em adrenalina que uma boa aventura pode oferecer.