Luzes. Palmas. Gritos. Era hora do show.

Ammarie se alongava em seu camarim improvisado, um espaço delimitado por lençóis pendurados no teto, enquanto a pequena platéia fiel enchia o espaço do clube de luta clandestino na periferia de Enocia. Seus cachos ruivos estavam presos em um par de maria-chiquinhas firmes, balançando sempre que se mexia para estralar as articulações, e suas vestes simples e largas destacavam as belas curvas e tatuagens que lhe enfeitavam o corpo. Sentado em um banquinho no espaço apertado, Graal olhava-a com os olhos cheios de malícia por trás dos óculos sujos e trincados. O homem se levantou e contornou as curvas de sua cintura com as mãos engorduradas, aproximou-se apenas o suficiente para encostar os lábios em seu ouvido e sussurrar com a voz rouca:

- Acaba com ele, Raven - Ammarie segurou a respiração, contando até mil para não desfigurar o rosto nojento com um soco certeiro. Sabia que devia ficar quieta e aceitar todas as provocações, ou todo aquele inferno teria sido em vão. Manter a compostura perto de seu agente estava ficando cada vez mais difícil. Sempre que pronunciava seu nome de lutadora, Ravenna, uma ânsia de vomito subia pela garganta da jovem. Aquilo, porém, era um preço que deveria pagar se quisesse receber sua parte do pagamento.

Com certa dificuldade, saiu dos braços musculosos de Graal e começou a caminhar em direção ao ringue. Quem olhasse para ela durante sua entrada triunfal veria apenas uma fachada daquilo que Amma era obrigada a representar. A única competidora mulher do torneio atual, invicta a cinco lutas, poderosa e sexy, determinada. Poucos conseguiriam perceber a garota despedaçada, desesperada e esgotada que se escondia dentro do casulo. Aquela vida não era uma escolha, era a única opção.

Em uma sociedade como a de Enocia os pobres não tinham vez, ainda mais uma garota. Amma teve de endurecer ao longo da vida, para aguentar as constantes incertezas e perigos da periferia. O mundo das lutas clandestinas lhe fora apresentado aos dezesseis anos, por Graal, e, na época, era uma benção. Seu pai a havia expulsado de casa após uma briga, e a única alternativa para conseguir dinheiro e abrigo seria a prostituição. Graças aos deuses não fora necessário recorrer a ela. Ammarie logo mostrou um dom natural para a luta, e conquistou o pequeno clube com suas vitórias e as roupas sensuais que formavam seu figurino. Todo o dinheiro que ganhava ali ia para o pequeno apartamento em que morava, nos limites da zona mais pobre da cidade. Era uma vida dura aquela que lhe fora destinada.

- Ravenna! Ravenna! Ravenna! - Os gritos dos espectadores acordaram a ruiva de seu pequeno devaneio, e ela voltou a caminhar até o ringue. Com um movimento provocante abaixou as cordas de borracha que marcavam o espaço do combate e acenou para os torcedores. Do outro lado seu oponente, Zen, fazia golpes no ar para demonstrar as habilidades. O narrador começou o espetáculo, seguido por uma salva de palmas. Ammarie se aproximou do opositor e, ao soar o sino de início, surpreendeu-o com um gancho de direita poderoso. Outro dia de trabalho começou.


+ Todos os lutadores do clube clandestino utilizam nomes artísticos falsos na hora de inscrição, o de Amma é Ravenna. Após cinco anos juntos a jovem ainda não sabe o nome de verdadeiro de Graal, e ele não sabe o dela.

+ Graal é o agente de lutas de Ammarie, uma espécie de "cafetão" do ringue. Abusa sexualmente da jovem em troca de seu pagamento. Caso a ruiva se recuse a satisfazê-lo, não terá acesso ao dinheiro ganho em combate.

+ Seu maior sonho e matar Graal.